
Colorido pela discussão semântica em torno do conceito de “refundação”, o confronto entre o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o líder do PS, António José Seguro, passaria neste primeiro dia de debate da proposta de Orçamento do Estado para 2013 por momentos de tensão, com defesas da honra à mistura, em particular quando o secretário-geral do PS acusou Passos de estar mais ao serviço da chancelaria alemã do que do povo português. Antes, já o chefe do Governo se vira obrigado a pedir a palavra para negar que a sua equipa esteja a preparar caminho para o pedido de um segundo resgate financeiro à troika: “Que fique muito claro perante o país e os senhores deputados (…) não vale a pena insistir em fantasias”.
António José Seguro:
“Propostas e alternativas não nos faltam” – em resposta aos deputados da maioria – “O que nos falta por enquanto é a maioria para as concretizar, mas será uma questão de tempo”
“A dívida aumentou. Estava previsto em 113%, vai em 119 e a para o ano a estimativa é de 124%. Os portugueses cumpriram, o senhor primeiro-ministro falhou. O défice que o senhor primeiro-ministro contratou foi de 4,5%, o senhor PM já veio reconhecer que é de 6% no mínimo”.
“Temos o maior número de desempregados da nossa história por responsabilidade sua, e a nossa economia continua a cair, por responsabilidade sua senhor primeiro-ministro. Esta é a sua responsabilidade. Pare de fugir às responsabilidades, de uma vez por todas assuma que a sua política falhou”.Num discurso de fundo muito crítico em relação à atuação do Governo nestes meses em que vem ocupando o espaço do poder, António José Seguro retratou Passos Coelho como um líder perdido que não sabe que destino dar a um país que vive um estado de desgraça. Neste cenário, garante, uma maioria socialista “é uma questão de tempo”.
“É um Orçamento do Estado condenado ao insucesso. Ninguém acredita nele, a começar pelo próprio líder do CDS e ministro dos Negócios Estrangeiros [Paulo Portas]“, verberou Seguro quando tomou a palavra no hemiciclo, para acrescentar que vê na proposta que desceu à assembleia um cenário macroeconómico que não merece crédito nem por parte dos economistas da bancada do PSD, em particular essa previsão de 1% de recessão para 2013.
Foi ainda com o primeiro-ministro e o líder da Oposição a passarem a culpa pela situação do país e a responsabilidade pelas políticas desenhadas para lidar com a crise económica que afeta o país que se desenrolou boa parte deste primeiro dia de debate da proposta de Orçamento do Estado.
Segundo resgate desceu ao parlamento
Seguro passaria a novo ataque quando pegou no tema que fez os últimos dias e qualificou a proposta de refundação do memorando de entendimento como “uma desculpa para o fracasso” de Passos Coelho enquanto líder do Governo: “A primeira conclusão deste debate senhor primeiro-ministro é que o falhanço da sua política colocou o país a caminho de um segundo resgate e a refundação que propõe não passa de uma encenação para fazer crer que a responsabilidade não é sua. O senhor é primeiro-ministro há 16 meses e o Orçamento do Estado de 2012 é da sua exclusiva responsabilidade”.
“Há um ano o senhor prometeu aos portugueses que em troca dos pesados sacrifícios que lhes exigiu o senhor cumpriria. (…) A sua proposta de refundação do memorando de entendimento não é mais que uma desculpa para o seu fracasso”, sublinhou o líder da Oposição.
Passos Coelho recusaria esta tarde a preparação de um segundo pedido de resgate procurando, no meio de uma acusação à Oposição de estar a produzir fantasias, deixar claro que não há qualquer “ocultação” do Governo em relação a esta possibilidade.
“Que fique muito claro perante o país e os senhores deputados, porque não vale a pena insistir em fantasias, o Governo não está a preparar nenhum pedido de resgate”, respondeu Passos Coelho ao retomar uma questão do bloquista Luís Fazenda. Pedro Passos Coelho:
“O Governo nem está a preparar nenhum segundo resgate, nem está a preparar o caminho para um segundo resgate. Seria até perverso que um primeiro-ministro que vem aqui dizer quais são as condições importantes para cumprir o memorando de entendimento e poder com sucesso fechar o programa de ajustamento, que isso significa que está a preparar um segundo programa ou um segundo resgate”.
Mas as dúvidas das bancadas á esquerda não ficariam ainda sanadas, com o comunista Honório Novo a sugerir a coincidência numa só coisa do dito segundo resgate e um alegado “plano B” acordado entre o Governo e os credores internacionais no caso de as medidas anunciadas para o próximo ano se revelarem incapazes de responder à crise.
“Em todos os memorandos desde o seu início, há uma regra de que o Governo se compromete a adotar todas as medidas contingentes necessárias para poder suprir quaisquer desvios de execução”, explicou Passos Coelho, para contra-atacar o argumento de Honório Novo: “O que esta regra que o senhor deputado apresentou como sendo um plano B significa é que, no corte adicional de quatro mil milhões de euros que o Governo se comprometeu a concretizar até 2014, o Governo está na disposição de adotar medidas contingentes até 0,5 por cento do produto, se isso for necessário, e é isso que nós iremos fazer”.
Explicações que o chefe do Governo resumiria numa fórmula: “Não há nenhuma ocultação [e não pode ficar] nenhuma dúvida a esse respeito”. Ou seja, de acordo com a palavra do primeiro-ministro, o Governo “não está a preparar tal coisa”.
Os interesses de Merkel e a honra de Passos
Pelo meio ficou o comentário de António José Seguro que levou o primeiro-ministro a pedir a palavra em defesa da honra: a ideia muito usada pelas bancadas da Oposição e hoje também arremessada pelo líder socialista de que o chefe do governo português está mais preocupado com os interesses soprados pela chanceler Angela Merkel a partir de Berlim do que com as prioridades do povo português.
De forma menos direta, diria Seguro que Passos Coelho passa mudo pelos conselhos europeus, defendendo ainda os interesses da chanceler Merkel: “Para que Portugal possa ter mais tempo e menos juros precisa de ter um Governo e um primeiro-ministro que não vá aos conselhos europeus para entrar mudo e sair calado, mas que defenda os interesses de Portugal. Precisamos de ter um Governo e um primeiro-ministro com voz na Europa, que defenda os interesses de Portugal na Europa e não os interesses da senhora Merkel em Portugal”.
Pedido tempo à Assembleia para a defesa da honra, Passos Coelho verberou contra Seguro, lembrando o líder do PS que “há limites para o debate público e para o debate político”.
“O senhor deputado António José Seguro repetiu aqui uma coisa que já tinha dito em outro local: Que o primeiro-ministro entrava mudo e saia calado das reuniões do conselho europeu, mas isso é falso”, rejeitou o primeiro-ministro, invocando outra verdade, que estará nas atas das cimeiras europeias.
“[Este Governo] não representa nenhum chefe de Estado ou de Governo estrangeiro, mas sim os portugueses, porque foram os portugueses que votaram e escolheram este Governo”, acrescentaria Passos, para “recordar ao senhor deputado António José Seguro que quem pediu a países da União Europeia apoio financeiro para salvar Portugal não fui eu, mas foi um primeiro-ministro do seu partido”, numa invocação de José Sócrates que valeu aplausos efusivos à direita.
Fonte: RTP
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